O uso de câmeras corporais por policiais civis na Favela do Jacarezinho, em 6 de maio de 2021, ajudaria a esclarecer o que aconteceu na operação mais letal da história do Rio de Janeiro. É o que avalia o promotor de Justiça André Cardoso, que esteve à frente da força-tarefa do Ministério Público estadual (MPRJ) que investigou as 28 mortes na comunidade da Zona Norte.
“[O uso de câmeras] Ajudaria a solucionar vários casos [no Jacarezinho]. Até em benefício dos policiais, mesmo. A câmera facilitaria muito a identificar o cenário. Como o cenário foi produzido, o que aconteceu”, afirmou Cardoso em entrevista exclusiva ao g1.
Na quinta-feira (5), em um último ato, a força-tarefa denunciou dois policiais civis pelas execuções de dois traficantes. Os agentes Amaury Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza também são acusados de fraude processual e de forjar a cena do crime.
Em outubro do ano passado, outros dois policiais também foram denunciados por executarem Omar Pereira da Silva dentro de uma casa no Beco da Síria. Douglas de Lucena Peixoto e Anderson Silveira são acusados, respectivamente, de homicídio doloso e fraude processual, e fraude processual.
A força-tarefa também responsabilizou traficantes de drogas pelo assassinato do policial André Frias, morto no início da operação. Os criminosos Adriano de Souza de Freitas, o “Chico Bento”, e Felipe Ferreira Manoel, conhecido como Fred, foram acusados de ordenar os ataques aos agentes.
Mas as denúncias contra os quatro policiais e os chefes do tráfico no Jacarezinho trazem resposta para apenas três dos 13 cenários investigados pelo MPRJ. Neles, são apontados responsáveis para quatro das 28 mortes. Com as imagens das câmeras, a apuração poderia ter outro desfecho.
“Quando você busca as provas, você tenta reconstituir, montar aquele ‘quebra-cabeças’, reconstituir aquela situação. Se você está filmando, não precisa de mais nada. Basta você demonstrar que aquela imagem, filmagem, não foi editada nem nada, e pronto”, detalhou o promotor.
Credibilidade do trabalho policial
André Cardoso lembrou que a administração pública precisa seguir o “princípio da legalidade”. E se referindo ao uso dos equipamentos de filmagem de uma forma geral, o promotor opina que as câmeras fortalecem o trabalho da polícia.
“Eu acho que [o uso de câmeras corporais] é essencial, imprescindível. O estado e seus agentes não podem se comportar como o cidadão comum, que tem suas paixões e tudo mais. O estado tem que cumprir a lei a fio. Ele tem que seguir, a fio, o princípio da legalidade”, afirmou o promotor.
“[Fortalece] Porque você dá mais credibilidade ao trabalho. Você evita aquela briga de versões. Evita que as pessoas venham e digam: ‘ele foi executado’. E se o policial errar, se exceder no crime, vai está mostrando também”, acrescentou.
Cardoso também rebateu argumentos de que as câmeras violariam a “intimidade do policial”.
“O policial, ali, não está na sua vida particular. Ele está ali como um agente público. Você, no seu atuar como agente público, você abre mão da sua intimidade e privacidade. Você não pode, quando atua como agente público, por delegação do estado, você não pode alegar isso: minha intimidade, minha privacidade.”
No Rio de Janeiro, está previsto que policiais militares passem a usar câmeras no próximo dia 16. Com o objetivo de aumentar o controle da atividade policial e dar mais segurança jurídica às abordagens, o governo comunicou que, a princípio, os equipamentos serão usados em dez batalhões.
O g1 perguntou ao governo e à Secretaria de Polícia Civil se há previsão de a tecnologia também ser usada por agentes da corporação, mas não houve retorno.
Laudo feito no mesmo dia da denúncia
No mesmo dia em que a denúncia pela morte de Omar Pereira foi apresentada, em outubro do ano passado, a Polícia Civil produziu um laudo complementar de local. Uma perita da Delegacia de Homicídios de capital assinou o documento às 17h42 do dia 15 daquele mês.
Entretanto, a requisição do documento foi feita por um delegado da mesma delegacia às 17h58, 16 minutos depois de o laudo ser apresentado.
A produção do exame é criticada pelos promotores da força-tarefa, que interpretam o movimento como sendo uma tentativa de socorrer os denunciados.
Um deles explicou que, por regra processual penal, depois de oferecida a denúncia, a atividade investigatória é necessariamente interrompida.
Questionados se a situação evidenciaria uma fraude, a força-tarefa disse que o caso requer cuidado e, eventualmente, uma investigação.
O documento produzido pela Delegacia de Homicídios tenta desqualificar a versão de testemunhas ouvidas pelo MP para denunciar os dois agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core).